sábado, 7 de junho de 2025

Palavras bonitas

No desvario
Do sonho me socorro
E nele percorro
O denso frio
Da distância,
Os delirantes lugares da demência,
A delicada fragância,
A seda e o brocado
Desenhando o fulgor e a fluorescência
Do teu corpo semeado
De azul e maresia ...
Meu castelo de vento,
Meu portento, Meu mar sulcado
E para sempre arado
De louca fantasia! ...

Pequena elegia em busca de Moad
Lino Sebastião
cordel d' prata (2025)

sexta-feira, 6 de junho de 2025

Paz e lirismo

E se, de repente, começasse a surgir alguma coisa com nexo daquela cabecinha amarelada que comanda os destinos americanos, gritaríamos todos:

- Milagre!

Desenganem-se. Não vai acontecer, por muito desejável que seja e muitas rezas ocorram. Continuaremos a ouvir muitas "bacoradas" e um sem número de alarvidades que trazem à memória a frase do antigo seleccionador nacional de futebol Luiz Filipe Scolari:

- E o burro, sou eu?

A guerra, que tinha o destino traçado, terminaria mal ele sentasse os glúteos no sofá da Sala Oval e nunca teria começado se ele se tivesse mantido como chefe da nação naquele acto eleitoral tão festejado no Capitólio, afinal continua, agravada, e sem fim à vista. A faixa de Gaza está quase em condições de serem iniciadas as obras do resort de luxo, faltando apenas acabar com os palestinianos.

Entretanto, o cavalheiro holandês que apelidou os portugueses de gastadores e boémios, pede encarecidamente que todos os países aumentem a sua contribuição para a NATO e, ao que tudo indica, o nosso já está a escarafunchar no mealheiro para lhe fazer a vontade.

Como toda a gente sabe e a história confirma, a solução é aumentar o esforço militar e deixar que essa coisa da paz se mantenha como uma miragem dos líricos.

segunda-feira, 2 de junho de 2025

Livros (lidos ou em vias disso)

Biblioteca acima das possibilidades de leitura

Uma biblioteca cheia de livros que não foram lidos - sabendo que muitos deles nunca o serão - é uma biblioteca enorme, porque contém em si a semente da possibilidade. É imensa porque inclui desejo. Quem a criou tinha um desejo acima das suas possibilidades, e isso define o leitor: a sua ambição. Nunca concretizaremos plenamente os nossos desejos, mas o tamanho da biblioteca pode evidenciar o tamanho da ambição e, por reflexo, o tamanho do leitor. Um leitor tímido terá um ou dois livros por ler, um leitor ambicioso terá logicamente mais. Em japonês, existe uma palavra para a pilha de livros por ler: tsundoku.

Seria expectável que um grande leitor fosse aquele com menos livros por ler na sua biblioteca, pois leu muitíssimo, mas não é isso que acontece: o melhor leitor tem sempre cada vez mais livros por ler. Quanto mais lê, mais essa lista aumenta.

Children's afternoon at Wargemont, 1884 - PIERRE AUGUSTE RENOIR
O vício dos livros II
Afonso Cruz
Companhia das Letras (2025)

domingo, 1 de junho de 2025

Livros (lidos ou em vias disso)

"(...) Por norma, a leitura não tem uma gratificação imediata e contraria as nossas características gregárias, isolando-nos dos outros e do mundo, impondo algum silêncio, exigindo atenção, concentração e, como se tal não bastasse, obriga ao esforço da descodificação. Ao contrário de outras formas de arte, como a música, a pintura ou o cinema, a leitura não se oferece directamente à sensorialidade - exige um processo cognitivo, converter letras em cenários mentais, converter letras em vozes, rostos, emoções e paisagens. Ler dá trabalho. Essa exigência torna a leitura uma arte activa, mais próxima da tradução do que da fruição imediata, e, talvez por isso, quando funciona, seja tão poderosa: porque é o leitor quem completa a obra. A leitura é uma arte de co-autoria.

Sendo difícil ultrapassar os primeiros obstáculos que a própria leitura impõe aos seus possíveis futuros amantes, as medidas para aumentar o número de leitores têm resultados tíbios. Repare-se que esse número deveria ter aumentado estrondosamente com a diminuição da iliteracia, mas tal não se verificou. Nunca houve um entusiasmo esfuziante com a leitura; pelo contrário, sempre foi um fenómeno sóbrio, que vai tendo mais leitores, é certo, mas de forma lenta, ou muito lenta. De todos os que foram alfabetizados, poucos se tornaram leitores assíduos. (...)"

O vício dos livros II
Afonso Cruz  
Companhia das Letras (2025)

quinta-feira, 29 de maio de 2025

Prova real

Estava um calor "de ananases", talvez parecido com o que se sentiu, e ainda se sente, no dia de hoje. Sem nuvens no céu nem a nortada oestina tão familiar, pareceria que se estava em pleno Alentejo. Havia necessidade de uma deslocação à outra quinta, para resolver um qualquer problema cuja origem já não recordo. Devia ser importante. O patrão, habitualmente, decidia sem se deslocar lá.

O exame de condução tinha sido realizado com êxito e o documento, em cartolina avermelhada, havia chegado poucos dias antes. A notícia tinha sido transmitida, com ênfase, a quem de direito. A receptividade foi a habitual: sem comentários.

- Hoje levas tu o carro.

Já tinha pegado no Peugeot 504 algumas vezes, mas apenas para pequenas arrumações, na garagem ou na procura da sombra, com a conivência do motorista da casa. Isso ele não sabia e não era eu que lhe iria dizer. Ainda se zangava e alterava a decisão que havia tomado. "Patrão manda, marinheiro faz ... "

É fácil de entender que os nervos eram muitos e imenso o medo de falhar. O Peugeot era, na época, uma "bomba" topo de gama, privilégio de quem tinha grandes posses. Espaçoso, de um verde claro discreto, estofos muito macios, em pele, espaço para copo e garrafa no meio, rádio e leitor de cassetes "cartucho". Até chauffage tinha ...

O patrão instalou-se no lugar do pendura, escolheu a música, clássica, como sempre, e a viagem iniciou-se rumo ao Negrelho. Vidros todos abertos, para que o ar circulasse e diminuísse um pouco o desconforto causado pela tal temperatura nada habitual na região.

O braço esquerdo apoiou-se na janela, deixando que os dedos dessa mão apoiassem o volante. O trabalho era todo executado pela mão direita, que guiava e engrenava as cinco mudanças, dando aquele ar importante de quem sabe bem o que faz e não está nada constrangido.

O trânsito era residual e a viagem correu bem, com o "motorista" a sentir-se "inchado" com o desempenho.

- Não estás mal! Mas olha que o braço é para o volante, não para a janela.

terça-feira, 27 de maio de 2025

Palavras

Finalmente, a senhora que manda na União Europeia acordou da letargia e disse qualquer coisita sobre a catástrofe humanitária que o Bibi israelita está a levar a cabo.

Não foi muito assertiva nem teve a violência verbal que se justificava perante tamanha crueldade que o homem (?) tem promovido mas, valha-nos isso, falou. 

sexta-feira, 23 de maio de 2025

Livros (lidos ou em vias disso)

"(...)

Mãos estranhas enterraram no dia seguinte o corpo mirrado do pobre aventureiro na terra estrangeira onde devia pagar o preço das suas aventuras.

E como sem mensalidades o Colégio de Santo António não ensinava nada a ninguém, passados meses, o pequeno Sérgio foi despachado em terceira para Penedono.

O Gaudêncio velho, então, teve pena dele e pô-lo a guardar ovelhas no Farrobo.

Pastor, que foi por onde o Senhor Ventura começou."

O Senhor Ventura
Miguel Torga
Gráfica de Coimbra

segunda-feira, 19 de maio de 2025

Sufrágio

Cada eleitor teve direito a manifestar a sua escolha e fê-lo sem pressões, no recato da urna, com sigilo garantido sobre o sítio onde decidiu marcar a sua cruz.

No final da votação, logo a seguir às 19 horas, os membros das mesas contaram os votos, elaboraram a acta e fizeram chegar os resultados ao patamar superior. A freguesia juntou os votos, a autarquia coligiu a soma concelhia, o distrito somou tudo, dividiu pelo método de Hondt e apurou os deputados eleitos. Todos cumpriram com afã as tarefas que lhes estavam confiadas e o país soube dos resultados finais ainda antes de o dia terminar.

Os resultados não se saboreiam nem se digerem: aceitam-se enquanto as regras forem claras, iguais para todos e não haja suspeitas de fraude ou de "chapeladas", como nos tempos "da outra senhora".

Custa a perceber? Custa, mas a cada um só cabe uma cruz ...

sábado, 17 de maio de 2025

Dia de reflexão

Reflectindo, como sempre, ainda que a decisão esteja tomada há muito e o tipo do espelho que me saúda todas as manhãs tenha confirmado a minha escolha como correcta.

De acordo com as opiniões expressas pelos grandes "sabões" analistas, faço parte do grupo que vota nos antigos, mantendo a escolha e não sendo influenciado pelas "modernices", "preces" ou "refluxos". As sondagens dão como adquirido o resultado final, baseadas nas largas consultas levadas a cabo, nenhuma das quais, em 50 anos de eleições, me contemplou. Tal como no totoloto, nunca fui bafejado pela sorte ... Paciência!

No final do dia de amanhã, depois de cumprido esse dever cívico fundamental e de cuja ausência cada vez menos se lembram, veremos se as previsões eram de base científica ou apenas palpites para "encher chouriços". 

terça-feira, 13 de maio de 2025

Tempo

Em todo o lado, em quaisquer situações, com mais ou menos pressa, com muita ou pouca gente, o tempo é determinante e mandante, mesmo quando a tarefa encomendada é passear e usufruir sem pestanejar.

Por vezes custa. As pernas refilam, os ombros doem, os joelhos queixam-se, a coluna lamenta-se, o corpo pede regresso ao hotel e repouso bem esticado. Mas ... a teimosia é, quase sempre, uma excelente qualidade.

Perante tanta coisa maravilhosa, o corpo acomoda-se e deixa a vista extasiar-se. Antiga na história, complexa e cheia de sobressaltos, Praga é, sem qualquer dúvida, uma cidade muito, mas mesmo muito bonita!