quinta-feira, 25 de abril de 2024

25 de Abril

Cinquenta anos passados, a emoção continua quando se (re)vêem imagens que não desaparecem nunca, e se ouvem músicas inesquecíveis, muitas com novas e excelentes "roupagens", cantadas e tocadas por gente nova, que não se quer alhear nem ceder.

Que os meus netos possam comemorar o centenário do dia inicial inteiro e limpo, com total liberdade, uma maior igualdade, a fraternidade devida e o respeito a que todos temos direito.

O 25 de Abril trouxe-nos a paz, a abertura, a esperança, o horizonte, a mudança, valores que só descortinamos quando se perdem.

terça-feira, 23 de abril de 2024

Dia Mundial do Livro

No Dia Mundial do Livro, depois de ter lido meia dúzia de mails anunciando "descontos fenomenais na compra de obras fundamentais", decidi que era dia de ser imperturbável e não adquirir nada.

Peguei em A Relíquia, por me ter vindo à memória um dos livros que mais me marcou na adolescência, e dele retirar alguma coisa para deixar por aqui. Depressa o voltei a colocar no seu discreto compartimento. Se Eça ainda por cá andasse, não teria mãos a medir nem veneno suficiente para distribuir.

Talvez nem o Bugalho escapasse, esse que, tão novo, descobriu o difícil caminho que o vai levar à Europa das grandes decisões. Aí pugnará, com o brilhantismo que todos reconhecem, pelo seu bem-estar e futuro a contento, proporcionando a Montenegro continuar com o sorriso que exibiu ontem, ao anunciar a sua inclusão como cabeça de lista da AD às eleições europeias. 

segunda-feira, 22 de abril de 2024

Rituais

Tenho com o Expresso uma relação "amorosa" a qual, muitas vezes, me retira ou inibe o espírito crítico e em outras procura uma justificação plausível para muitas incoerências ou erros que nele acontecem em todas as semanas.

Mesmo irritado com a semana anterior, à sexta-feira (dantes era ao sábado) cumpro o ritual e vou comprar o jornal ao local habitual onde agora, de acordo com a informação do proprietário, já só chegam dois sacos e um deles é quase sempre devolvido.

Esquecido ou perdoado que está o "frete" ao Governo com o título sobre a descida do IRS, fixado na primeira página do número 2685, de 12 de Abril, António, no seu cartoon,  e Miguel Sousa Tavares, em A ruína moral do Ocidente,  confirmam, na semana seguinte, que vale a pena ser teimoso e, enquanto houver edição em papel, cumprir o ritual que já passou o meio século.

"(...) A 14 de Abril, Israel e os seus aliados não apenas detectaram no ar e destruíram 99% dos engenhos de morte enviados do Irão - também detectaram previamente e destruíram 99% das opiniões ou notícias capazes de contrariarem a versão única de mais uma vitória dos bons sobre os maus, da derrota de um ataque não provocado à "única democracia do Médio Oriente". Uma democracia que, em seis meses, liquidou, nas suas casas, nas ruas, nas escolas, nas mesquitas e nos hospitais, 35 mil civis, dos quais 16 mil crianças, e em cujo governo há um ministro que propôs resolver o problema dos 2,3 milhões de palestinianos encerrados em Gaza com uma bomba termonuclear e outro que, mais simplesmente, jurou que "os palestinianos não existem". Se não tivéssemos visto as imagens de quarteirões inteiros em Gaza destruídos com bombas de uma tonelada fornecidas a Israel pelos defensores dos direitos humanos, dos hospitais transformados em campos de batalha, das crianças com olhares esgazeados de fome, ainda poderíamos acreditar, talvez, que isto seria uma guerra da liberdade contra o terrorismo. Se não conhecêssemos a história, poderíamos acreditar que eram os justos a triunfar sobre os usurpadores da "Terra Santa". E certamente que todos dormiremos mais descansados se, no seu exercício de "legítima defesa", Israel destruir as instalações nucleares dos aiatolas. Mas dormiremos mais descansados ou mais pacificados de consciência sabendo a bomba nuclear nas mãos dos fanáticos ortodoxos de Israel, que se declaram "o povo eleito"? Qual é, afinal, o critério moral que nos distingue dos outros? Perguntem às crianças de Gaza, perguntem à rosa de Hiroxima.

Eu fiz jornalismo durante mais de 40 anos. E em todas essas décadas, seguindo a política nacional e internacional, tive muitas vezes de me conter para não confundir a hipocrisia com a própria natureza da política. Mas sempre acreditei que, no fim, seria a independência e a liberdade do jornalismo a prevenir e a evitar que isso acontecesse. Porém, e como já o escrevi a propósito da guerra na Ucrânia, e agora o volto a escrever a propósito da guerra de Israel em Gaza, nunca tinha visto o jornalismo tão submisso à narrativa oficial, tão disposto a abdicar do contraditório e tão avesso a fazer as perguntas ocultas, as perguntas essenciais. Isso, mais ainda do que esta miserável geração de líderes políticos, é o que mais me faz descrer no triunfo das democracias, enquanto resultado de regimes escolhidos por povos informados e livres. Oxalá eu possa estar enganado."

domingo, 21 de abril de 2024

Meio século

Aproxima-se, velozmente, o dia da Liberdade. 

Passam 50 anos e as comemorações sucedem-se, ainda que, em algumas, melhor seria terem ficado no sossego da gaveta ou na pasmaceira da casa. A lei inexorável do tempo faz com que sejam cada vez menos os que viveram os tempos da "outra senhora", e aos novos pareça esquisita, para não dizer falsa, qualquer conversa sobre o como era dantes.

Ainda bem! Emitir opinião sem temor, ser diferente sem medos, usar o que apetece sem "olhos" a cuidarem, conversar sem receio de ser ouvido e denunciado, e não serem "proibidos os grupos agrupados e mais que dois a andar parados", não tem preço.

Por mais gente que apareça a berrar, vozes de burro não hão-de chegar ao céu e, daqui a cinquenta anos, as comemorações do século talvez sejam historicamente mais verdadeiras e rigorosas, digo eu, que não estarei cá para o confirmar.

sábado, 13 de abril de 2024

Livros (lidos ou em vias disso)

Está a terminar a leitura de um grande livro - mais de 400 páginas - que me tem ocupado nos últimos dias. Fez-me reviver muitas histórias, conhecer muitas outras, saber pormenores de assuntos que estavam na penumbra ou já tinham desaparecido da gaveta memorial.

O antes e o depois do 25 de Abril percorrem todas as páginas, despertando o interesse para a seguinte e obrigando a memória a reter o relato da anterior, mesmo que nela se registem apontamentos sobre a Foz do Arelho ou se contem episódios de Coimbra, de Torga ou de Adriano, com o registo imperativo de que "mesmo na noite mais triste, em tempos de servidão, há sempre alguém que resiste, há sempre alguém que diz NÃO.

"(...)

Melancolia democrática

Mas os tempos tinham mudado. Já não havia a dimensão heróica da resistência nem o entusiasmo e as ilusões líricas da revolução de Abril. A normalização trouxera consigo aquilo a que o francês Pascal Bruckner chamou a <<melancolia democrática>>, a democracia sem festa nem fervor revolucionário, um certo cinzentismo com alternância mas sem alternativa. Em França, Itália e noutros países os velhos bastiões da esquerda esvaziavam-se e, em breve, votariam na extrema-direita. Os partidos socialistas e sociais-democratas deixavam-se colonizar pelo neoliberalismo, aderiam à <<terceira via>> e, como várias vezes disse, há muitos anos, corriam o risco de se tornarem historicamente desnecessários.

Eu não conseguia desfazer-me daquilo a que Eduardo Lourenço chamou <<a nostalgia da epopeia>>. Na escrita e na vida. Era tempo de, sem abandonar a intervenção, me voltar cada vez mais para a escrita. (...)"

Manuel Alegre
Memórias minhas
D. Quixote (2024)

terça-feira, 9 de abril de 2024

Ramerrame

Apresentações de livros com aconselhamentos vitais para o futuro, comentários de tudo e de nada, cartas de um lado para o outro como antigamente, discussões sobre temas mais do que enterrados pelo tempo, levam o pensamento para outrora, antes de as mulheres poderem usar calças ou exercer a profissão de Juiz, fadadas que estavam para obedecer e bico calado.

sábado, 6 de abril de 2024

Livros (lidos ou em vias disso)

Já levo muitos milhares de páginas lidas e continuo sempre a surpreender-me. Este livro, oferecido pela minha filha no Dia do Pai, confirmou, se necessário fosse, que estamos sempre muito longe de saber e conhecer tudo. Não conhecia o autor e, da história narrada, talvez tivesse ouvido algumas coisas, sempre pela rama. Não foi uma delícia porque os factos são arrasadores, marcantes, terríveis. Mas é um livro fantástico!

"(...) Lembro-me de que o Benitez sempre se despedia de mim da mesma maneira: <<Jovem, que seja muito feliz>>, e fazia uma reverência teatral. Essa saudação, quando saía à rua, provocava-me um ataque de riso e de felicidade repentina; tinha de saltar para a assimilar. Desde então, tentei seguir as suas palavras, mas sem muito êxito. Porém, quem eu mais admirava e queria conhecer, embora isso não tenha acontecido nessa viagem, era Juan Rulfo, que era taciturno e saía muito pouco; Garcia Márquez , que não era deste mundo; Octavio Paz, de quem li toda a poesia e todos os ensaios naqueles meses, mas que agia como um pontífice e não via ninguém, e era necessário solicitar uma audiência com ele com três meses de antecedência; e um poeta mais novo com o qual estava deslumbrado e que ainda me apaixona, José Emilio Pacheco, mas este passava metade do tempo nos Estados Unidos. Nem Rulfo, nem Paz, nem Gabo, nem Pacheco pertenciam ao digníssimo <<Ateneu de Angangueo>>, que era para pessoas mais felizes que famosas e que não levavam tão a sério a sua vida e o seu ofício. Talvez nós, na vida, tenhamos sempre de escolher entre sermos felizes, como Benitez, ou famosos, como Paz; oxalá todos tivéssemos a sabedoria de escolher a primeira coisa, como o meu amigo Iván Restrepo, ou como Monsiváis e a princesa Poniatowska, que são pessoas mais felizes que famosas ou, pelo menos, tão famosas como felizes.
(...)
Em meados desse ano, o avô António escreveu uma carta ao meu pai, muito preocupado. Soubera que eu, no meu ideal de vida proustiano, passava os dias inteiros deitado na cama ou num divã a ler romances intermináveis e bebendo golinhos de vinho de Sauternes, como se fosse uma solteirona retirada do mundo, um Oblomov dos trópicos ou um dândi maricas do século XIX. Nada lhe parecia mais preocupante para a formação da minha personalidade e para o meu futuro que isso e, visto de fora, pelos olhos de um ganadeiro ativo e pragmático, ou inclusivamente com os meus olhos de hoje, tenho de reconhecer que era um tudo-nada aberrante e que talvez o meu avô tivesse razão. Mas o meu pai, como fez durante toda a vida comigo, quando leu aquela carta limitou-se a dar uma gargalhada e a dizer que o avô não percebia que eu estava a fazer por minha própria conta a universidade. De onde sairia aquela confiança em mim, apesar desses terríveis sintomas de indolência? (...)"

Somos o esquecimento que seremos
Héctor Abad Faciolince
Alfaguara (2023)

sexta-feira, 5 de abril de 2024

Emblemas

Ainda mal conhecem os cantos à casa (para muitos, o palácio de sonho) e já começa a haver "mosquitos por cordas". Da Secretária de Estado que, ainda antes da posse, já está com as indemnizações (mal) recebidas às costas, até à primeira decisão pública do Conselho de Ministros: alteração do logótipo do Governo, fazendo a vontade aos cultores do amor pátrio, de que são lídimos defensores.

Longe dos locais onde a sapiência impera, surge-me a dúvida se esta era a medida que se impunha com a maior urgência e se o procedimento de agora passará a lei futura, com aplicação imperativa a todos os novos governos.

Parece-me ser elementar este procedimento,  que garantirá a eficiência futura. Apraz-me deixar uma sugestão para a próxima quinta-feira: alterar os logótipos das forças de segurança, que já estão bastante caducos ... do tempo, claro!

terça-feira, 2 de abril de 2024

Tempo novo

Hoje haverá novo Governo e, de acordo com a maioria dos ilustres comentadores da nossa praça, será de combate, e constituído por gente de grande prestígio e capacidade, capaz de conduzir os destinos da nação com a proficiência reconhecida, a julgar pelos currículos tão meticulosamente divulgados.

A expectativa aumenta quando se tenta adivinhar a conversa que virá de Belém, sabendo-se quão loquaz gosta de ser o nosso Presidente. Deverá subir a Calçada da Ajuda, a pé, e aproveitar para dar uma aulita de história à sua ajudante de campo e fazer um pouco de exercício.

Apesar de as televisões estarem sintonizadas com o tema desde manhã, com repórteres à chuva a palavrear em modo hiperbólico, a cerimónia só começará daqui a pouco menos de meia hora, salvo se Luís Montenegro fizer alguma alteração de último hora, como lhe pediu encarecidamente o "palrador".

quarta-feira, 27 de março de 2024

Dia Mundial do Teatro

"(...) PRIMEIRA COMADRE: Não ouve, comadre? O mafarrico quer continuar a fazer de cego!

FALSO CEGO: Não, senhora. Fui cego até agora, mais nada. Isto (sacode a venda) é a prova! Fui cego. Fui! Mas hoje a boa hora soou para o povo. Pelas frestas deste trapo conheci o padre Cano. Presenciei o medo que vai na tropa, e, nesses montes além, vi o Ruivo e mais três sargentos a entregarem-se ao bando do Académico. Andando por toda a parte, tudo soube, tudo ouvi. De Coimbra vêm estudantes, Vila Real já se rende, fogo para aqui fogo para ali, bala vai, bala vem, e - poder do mundo - as vilas levantam-se pela Maria da Fonte.

SEGUNDA COMADRE, PARA A OUTRA: E ele, cego.

PRIMEIRA COMADRE: Pudera. O mundo está para os cegos.

FALSO CEGO: Nem mais. Se não tivesse feito o que fiz nunca teria as vantagens que tive.

SEGUNDA COMADRE: Que vantagens?

PRIMEIRA COMADRE: Sim, que vantagens?

FALSO CEGO: As vantagens de ser cego.

(Pega na viola e canta)

AS VANTAGENS DE SER CEGO 

Perguntaram ao cego
se ele não ia às eleições
nem dava contribuições
e mais impostos devidos.
"Assina, escolhe os mandões
que há muito estão escolhidos."

COMADRE: E o cego que respondeu?

FALSO CEGO: 
"Senhor, respondeu o cego,
"Eu sou cego, cego, cego,
E o meu rosto jamais vi.
Desconheço a minha letra
E de quantos nos governam." (...)

José Cardoso Pires
O render dos heróis
Dom Quixote (2001)